sexta-feira, 30 de março de 2012

Vivendo na poeira

O que motiva uma mocinha a ir morar no Deserto do Atacama? Pergunta difícil, eu começaria mais com a pergunta “o que motiva uma pessoa a viajar?”  Trabalho, passeio, a busca de um amor distante, a viagem em si. Os motivos podem ser variados e eu achei que tinha todos esses para sair do Brasil e partir em busca de trabalho e de qualquer aventura diferente da que eu tinha.

(Quem ia duvidar de uma linda experiência numa paisagem como essa? Foto tirada desse link)

Na verdade, a ideia foi surgindo da congruência entre desespero e inspiração e, apesar de possuir apenas 600 reais na minha conta bancária, a convicção de que poderia dar certo culminou na minha partida para o deserto mais árido do mundo, sem nenhuma garantia de moradia, trabalho ou estrutura.  Ah, e sem passagem de volta.

A ideia parece absurda, mas analisando os ingredientes que me convenceram a ir sei que os mais animados podem considerá-la razoável:
- eu era uma jornalista recém formada e sem perspectiva de emprego;
- tenho uma paixão louca por viajar e  escrever sobre isso;
- tinha uma paixão louca por um namorado e sair do Brasil poderia nos unir depois de 5 meses separados;
- tinha uma amiga mochileira que acabou se instalando em San Pedro de Atacama e ganhava bastante dinheiro trabalhando por lá.

(Valle de la Luna. Foto tirada desse link)

Foi com esses argumentos que comecei a buscar uma passagem mais barata de ida a partir das milhas aéreas de alguém que as tivesse sobrando. Nessa saga cara de pau uma amiga se compadeceu e me presenteou com uma passagem para Santiago do Chile. Nem me vendeu, nem me emprestou, me deu mesmo. De Santiago eu partiria para minha vida no deserto. E eu parti.  

O plano era passar rapidamente pela capital do Chile, seguido de Valparaíso e Viña del Mar e depois  encontrar minha amiga em San Pedro de Atacama. Lá ela me ajudaria a conseguir um emprego e eventualmente me reencontraria com meu namorado. Juntando dinheiro, viajaríamos pela América do Sul até onde “la plata” permitisse. No fim das contas passei um pouco mais que um mês morando em San Pedro e 20 dias na Bolívia. Parece pouco tempo mas essa viagem foi o que se pode chamar de long way.

O que vocês lerão aqui sobre minha estadia no deserto é muito diferente do que eu pensava que escreveria quando parti. Não foi nada fácil chegar a todas as conclusões, e, para o bem ou para o mal, acabei conhecendo a fundo como funciona esse povoado tão turístico, cheio de mistérios e paradoxos. Contarei sobre San Pedro do ponto de vista de quem trabalhou em duas agências de turismo e um restaurante, ou seja: nas duas atividades que mais movimentam a cidade além da mineração. E acredito que saber os “bastidores” pode mudar em muito sua passagem por lá.

(O flamingo, sempre assediado pelos turistas-paparazzi. Foto tirada desse link)


Basicão de San Pedro

San Pedro de Atacama é uma comuna localizada na Região de Antofagasta, ou II Região do Chile, no deserto de Atacama. Ela é considerada capital arqueológica do país e se encontra a 2.438 metros acima do nível do mar, na foz do Rio San Pedro (o maior rio que chega no Salar de Atacama). 

(Rio San Pedro, contra as montanhas. Foto tirada desse link)

O clima de um lugar pode afetar absurdamente a vida das pessoas e o deserto mais árido do mundo é pra ser levado a sério nesse sentido. O clima de San Pedro é desértico de altitude, caracterizado por mudanças bruscas de temperatura, ventos fortes, alta radiação solar e pouquíssimas chuvas. Pela baixa umidade no ar e altitude da cidade, é muito difícil se sentir suado e na sombra a sensação térmica é até agradável, mas com pouco tempo de exposição ao sol e sem água, você pode ganhar uma insolação facilmente. Respirar é difícil no deserto e aclimatar-se à aridez pode ser uma tarefa um pouco custosa.

No verão (de dezembro a março) a temperatura varia entre 30°C de dia e 16°C à noite, mas a sensação térmica é sempre de mais calor ou mais frio. Nessa época do ano o sol se aproxima do Trópico de Capricórnio gerando máxima radiação e alta evaporação, o que resulta em fortes chuvas. Ainda que não tão regulares, as chuvas podem atrapalhar bastante a viagem, já que nem sempre os tours podem ser feitos devido à possibilidade de neve e más condições das estradas.

(Cavernas de sal no Salar de Atacama. Foto tirada desse link)

O chamado invierno boliviano (fenômeno que apesar de acontecer no verão da Bolívia é tão chuvoso e frio que justifica ser chamado de inverno) também afeta o clima da região: nessa época, a neve no topo dos vulcões e serros ao redor da cidade torna a paisagem ainda mais impressionante. No inverno de verdade (julho a agosto) o clima é muito seco, mas os dias são mais agradáveis (com médias de 22°C) e noite geladas, chegando abaixo de 0°C.

O que não posso deixar de saber?
  • Para fazer a mala
É necessário preparar-se para grandes oscilações térmicas. Para o dia, roupas brancas e frescas que não exponham demais o corpo são ideais. Chapéus, óculos escuros, protetor solar e labial (muito importante!) são indispensáveis. Um pós-sol e creme hidratante podem aliviar eventuais desconfortos. Para a noite, cachecol, blusa de frio e calças compridas.

(Pensava que no deserto não tinha água? Pois tem de tudo! Foto tirada na Laguna Cejar. Foto tirada desse link)

Uma parte importante de visitar San Pedro de Atacama é fazer pelo menos um dos tours oferecidos pelas numerosas agências da cidade. Prepare-se para nadar, caminhar muito, sujar suas roupas e até encontrar temperaturas como menos 10°C. Não esqueça: sapato confortável e resistente para caminhar, chinelo, traje de banho, se possível roupa térmica, gorro, cachecol e luvas. Lanterna e binóculos não são essenciais, mas podem ser úteis.
  • Para sobreviver
Manter o corpo sempre hidratado é essencial não só pela secura do ar como também ajuda com a questão da altitude. Beba sempre água mineral e tome cuidado para não exercitar-se demais sem ter a certeza de que está aclimatado. É muito comum sentir cansaço, náuseas e dor de cabeça enquanto o corpo se acostuma com a baixa pressão do ar e cada organismo reage de forma diferente à altitude. Evite comidas muito pesadas ou grandes bebedeiras, e não tenha medo de recorrer aos “caramelos” ou folhas de coca para evitar o mal de altitude.

 San Pedro tem duas farmácias: uma delas só funciona depois das 16h30 e a outra funciona de 9h às 14h, e de 17h às 22h. Aliás, o horário comercial de bares, restaurantes, agências e demais serviços depende da boa vontade dos comerciantes e muitos deles realizam sua siesta entre 14h e 17h. O posto de saúde oferece pronto-atendimento a estrangeiros, mas é necessário chegar às 7h da manhã e aguardar. A consulta não é grátis e geralmente sai a 10.000 pesos chilenos (algo como 35 reais). A compra de antibióticos e remédios mais específicos é feita apenas com receita médica.
  • Para disfrutar 
No Chile, o consumo de álcool nas ruas é proibido e especificamente em San Pedro de Atacama, os bares são obrigados a fechar até 1h30 da manhã. Eventualmente os forasteiros que vivem na cidade organizam o que chamam de carretes clandestinos, que nada mais são que festas ilegais no meio do deserto. Essas festas não podem ser divulgadas com muita antecedência e a melhor forma de ser convidado ou descobri-las é fazer amizade com alguém que trabalha na cidade ou aguardar até meia-noite/uma da manhã e seguir as pessoas que saem para esses eventos. Não será difícil perceber os agrupamentos que se organizam geralmente em vans que levam e trazem os baladeiros.

(Pôr do sol em San Pedro. Foto tirada desse link)

Não se esqueça de olhar para o céu estrelado de San Pedro e observar eventuais mudanças de paisagem. Qualquer passeio no deserto reserva surpresas.
  • Para não ser enganado
Tudo em San Pedro de Atacama é caro. A cidade vive de turismo - pra não dizer da exploração de estrangeiros. Como trabalham com super faturamento, quase todos os tours e serviços são passíveis de negociação e baixa de preço. Não aceite a primeira oferta que te fizerem.

Nos bares e restaurantes o costume é deixar 10% de gorjeta (ou propina, como se diz em espanhol) ainda que não venha previsto na conta. Brasileiros são conhecidos como “mão de vaca” no quesito propina e a surpresa de uma boa gorjeta pode garantir atendimento diferenciado tanto em restaurantes como para guias turísticos e prestadores de serviços.

(Praça principal em festa religiosa que precede o carnaval )

Tamira Marinho é jornalista pela UFMG. Estudou letras por um semestre em Buenos Aires e desistiu de um retiro espiritual na Tailândia para correr atrás de uma paixão e morar no deserto do Atacama. Ela diz que só se envolve com o que se apaixona, e sabe que se envolve com coisa demais. Entre um trabalho e outro, ela tenta ser nadadora, meditante e bailarina de fim de semana. Para saber mais sobre a Tamira é só clicar aqui.

Um comentário:

  1. Legal sua viagem ... estive em San Pedro de Atacama por duas vezes, 2012 e 2013, e olha que não costumo voltar em tão pouco tempo a lugares que conheço. Cidade maravilhosa, passeios recheados de surpresas ... até pensei em ficar por lá .. quem sabe morar. Viagem que vale a pena.

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